A juíza federal substituta Paula Weber Rosito, da 8ª Vara Federal de Porto Alegre, acolheu, liminarmente, pedido de suspensão da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que limitava o aborto legal. A ação foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em conjunto com a Sociedade Brasileira de Bioetica (SBB) e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
Ao analisar o pedido, a magistrada levou em conta o princípio constitucional da legalidade ao observar que os “atos administrativos (do CFM) não podem restringir direitos previstos na lei de regência, tampouco criar proibição não prevista em lei, sob pena de invasão de competência legislativa e abuso do poder regulamentador”.
Em seu despacho, a magistrada destacou que a lei atribuiu especificamente ao CFM a edição de normas para definir apenas o caráter experimental de procedimentos em medicina, autorizando ou vedando sua prática pelos médicos. Mas que não foi outorgada ao Conselho a competência para criar restrição ao aborto em caso de estupro. “Não havendo lei de natureza civil acerca do aborto, tampouco restrição na lei penal quanto ao tempo de gestação, não pode o CFM criar, por meio de resolução, proibição não prevista em lei, excedendo o seu poder regulamentar”, anotou a magistrada.
Os autores protocolaram a ação no último dia 8, questionando a legalidade da Resolução Nº 2.378/2024, pela qual o CFM regulamenta o ato médico de assistolia fetal, proibindo após a 22ª semana de gestação, mesmo em casos de estupro. O procedimento é usado na interrupção da gravidez, inclusive nos casos de aborto previsto em lei oriundos de estupro. Segundo a ação, a medida da entidade médica restringiria “o direito fundamental de mulheres e meninas vítimas de estupro, cuja gravidez, fruto da violência, compromete sua saúde física e/ou psíquica”, limitando indiretamente o aborto ilegal.
CFM criticou a iniciativa das entidades em defesa do aborto legal
Acrescentaram as entidades que tal norma, não possuindo natureza de lei, representa “mais uma barreira à integralidade de cuidados à saúde, dentre tantas outras já existentes”. O argumento dos autores ainda diz que a resolução excederia o poder regulamentar do CFM, indo além dos poderes legais do conselho, ou seja, que as normas da autarquia ultrapassam suas atribuições legais, ao restringir o direito ao aborto legal previsto em lei.
Em manifestação na Justiça, o CFM criticou a ação civil pública, argumentando que “não seria instrumento legal hábil a questionar a resolução, devendo ser buscado diretamente no Supremo Tribunal Federal (STF), via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)”. E argumentou que o Código Penal não autoriza o aborto em si, mas apenas exclui a punibilidade nos casos previstos em lei, como salvar a vida da gestante ou em caso gravidez resultante de estupro.
Além disso, a autarquia considera “que o regulamento questionado envolveria matéria predominantemente ética, e não técnica, argumentando que a assistolia, quando realizada após a 22ª semana de gestação, seria procedimento manifestamente cruel e bárbaro por submeter o humano ali presente a grave sofrimento”.
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