Duas décadas atrás, o americano John Kasarda veio ao Rio apresentar o conceito que o tornou célebre: a “aerotrópole”, que propõe o aeroporto como âncora do desenvolvimento das cidades e em torno do qual se organizariam corredores logísticos, polos de negócios e empreendimentos imobiliários.
— Mas nada aconteceu!
A ideia estava à frente do seu tempo — lembra ele. — Agora, as condições mudaram, há apoio da prefeitura e de empresários, e a economia da cidade se sofisticou.
O Rio está pronto.
Se está mesmo, ainda é cedo para saber. Mas um pontapé foi dado. No Urban 20, evento paralelo ao G20, a prefeitura assinou acordo de cooperação com a cidade chinesa de Zhengzhou, única zona econômica aeroportuária daquele país e que se tornou o principal exemplo de “aerotrópole” no mundo, atraindo a maior fábrica de iPhones do planeta, por exemplo. tem tudo a ver com o projeto chinês, do qual é conselheiro-chefe.
O especialista foi trazido ao Brasil como conselheiro pela Aldeya Life Park, subsidiária da construtora Technion que obteve junto à RIOGaleão a cessão de uma área de 150 mil metros quadrados no entorno do aeroporto internacional do Rio. Nos últimos 4 anos, a Aldeya vem desenvolvendo a área com o plano de erguer um complexo com universidade — a Estácio abriu recentemente um campus ali —, hospital, shopping, prédios corporativos e residenciais, restaurantes e centro de convenções. Os prazos de entrega vão até 2026.
Barcas
Uma das âncoras será uma linha de barcas ligando o Galeão ao Santos Dumont em 35 minutos pela Baía de Guanabara. A licitação foi marcada para 5 de dezembro, e o edital prevê investimento de R$ 107,1 milhões.
— A Aldeya Life Park estará no coração da “aerotrópole”, mas ela precisa ser muito mais abrangente, agregando infraestruturas e projetos num raio de até 30 quilômetros do aeroporto. As barcas são essenciais para a formação do corredor de acesso ao Galeão, pré-condição de uma “aerotrópole”, somando-se à Linha Vermelha e ao BRT — diz André Bendavit, cofundador e CEO da Aldeya.
Kasarda, que também é professor emérito da universidade da Carolina do Norte, admite que tudo isso é apenas um embrião de um projeto que, para sair do papel, levará décadas e demandará investimentos pesados.
— A China é um regime é autocrático e fez uma “aerotrópole” do zero em uma década, ao custo de dezenas de bilhões de dólares. No Brasil, a execução é um desafio. Seria algo para até 20 anos — pondera o americano, que trabalhou em projeto de “aerotrópole” em Confins (Belo Horizonte), sem que a ideia decolasse à altura de suas ambições. — Por outro lado, o Rio é uma cidade global. Essa marca é um trunfo que Zhengzhou não tem. Todos os ingredientes estão aqui, mas precisam ser integrados.
Vantagens
Mas por que o Rio teria vantagem sobre uma cidade como São Paulo, cujo aeroporto internacional recebe o triplo dos passageiros do Galeão, para se tornar uma “aerotrópole”?
— O que molda o futuro de uma “aerotrópole” não são fábricas, mas talentos. O valor agregado do que viaja de avião é muito maior que o de mercadorias que vão de trem, barco e caminhão. Isso inclui profissionais. O Rio, por ser global e turística, tem vantagens para atrair esses talentos — responde.
Outras vantagens seriam a abundância de área livre no entorno do Galeão, além do fato de sua concessionária ser a Changi, que está por trás do terminal de uma notável “aerotrópole”: Cingapura. Por fim, seria um trunfo a vontade política: na assinatura da cooperação com Zhengzhou, Kasarda e Bendavit aparecem em foto publicada pelo prefeito Eduardo Paes. O projeto, claro, está em linha com os planos de Paes para revitalizar o Galeão por meio da limitação do Santos Dumont.
— Sempre que há um aeroporto no centro da cidade, as pessoas vão usar. Não vou tão longe a ponto de dizer: fechem o Santos Dumont!. Sugeri isso em Sydney, e não foi nem um pouco popular! (Risos) Mas é preciso garantir que o Galeão tenha mais fluxo — concorda Kasarda.
Indústria 4.0
No Rio, Kasarda nutre percepção poliana até sobre obstáculos flagrantes da cidade.
— Quando vim pela primeira vez, a vista do trajeto entre o Galeão e o Centro não era boa. Hoje, acredite ou não, está melhor, embora muita coisa ainda precise ser feita. Esse corredor é a primeira e última coisa que as pessoas verão, é preciso torná-lo o mais atraente possível — afirma o americano, que admite, porém, que a violência é “um problema urbano” que todos enxergam no Rio: — Toda cidade com criminalidade alta terá dificuldades em atrair negócios e talentos.
Mas ele argumenta que a “aerotrópole” é um caminho para desenvolvimento futuro, não necessariamente resultado de pujança prévia:
— No século XX, cidades construíam aeroportos. Agora, aeroportos constroem cidades. Idealizamos a “aerotrópole” para posicionar o Rio como ponta de lança da quarta revolução industrial no Brasil. O aeroporto é o portal.