Receber o diagnóstico de uma doença é sempre impactante. A forma de lidar com o resultado depende de vários fatores, como as crenças e a estrutura emocional de cada um, o suporte médico e familiar, entre diversos outros. Passar pelo tratamento e alcançar a cura é, provavelmente, a maior conquista que uma pessoa pode ter. Todo esse processo ganha a elevação de algumas potências quando se trata de um câncer, a doença mais temida dos tempos atuais e uma das que mais matam no mundo. Não é para menos: a cura definitiva do câncer ainda não existe. A Organização Mundial da Saúde (OMS) acredita que o número de mortes por câncer, em 2030, chegará a 17 milhões por ano. Hoje, é a doença que mais mata jovens adultos, entre 15 e 29 anos.
Os índices não são favoráveis, mas os casos de superação são, sim, animadores e podem ajudar outras pessoas que passam pela mesma situação a encararem esse desafio com mais confiança.
Nos últimos anos, os tratamentos da doença vêm surtindo efeito: os oncologistas brasileiros garantem a cura de até 70% dos doentes em estágio inicial. Laio Boreli faz parte desse quadro. Há cinco anos, quando estava com 24, descobriu a doença e, apesar dos cuidados serem para sempre, sente-se curado. O empacotador percebeu um inchaço no testículo, acompanhado de dor. Como andava bastante de bicicleta, os médicos, incialmente, suspeitaram que essa era a causa do incômodo. Certo dia, levou os exames para avaliação do namorado da tia, um médico patologista, e foi aí que acendeu a luz de alerta: o médico disse que havia algo de errado e que Laio devia procurar um urologista.
No dia seguinte, Laio e o pai seguiram as orientações e foram à consulta. O médico o internou no mesmo dia para a
retirada do testículo e a análise do material revelou um tumor maligno. “No primeiro momento, fiquei assustado, mas sempre estive positivo diante de tudo. Aliás, aceitei melhor do que a minha família, que entrou em desespero”, relembra Laio. Apesar do abalo inicial, a família sempre esteve ao seu lado e esse apoio foi fundamental na recuperação.
O câncer foi tratado com a retirada de um testículo, acompanhada de alguns medicamentos e exames periódicos. Não houve a necessidade de quimioterapia nem de radioterapia. O urologista Constantino Arroyo Pieri, que acompanhou todo o tratamento, foi persistente para fazer tudo o que fosse necessário para preservar os espermas e, assim, garantir que Laio possa ter filhos. É por isso, também, que ele faz exames semestrais, principalmente o espermograma, já que houve diminuição significativa do sêmen. O uso de vitaminas potencializa a produção, em quantidade e qualidade, de esperma. Fora isso, o único inconveniente são as dores que sente até hoje, cinco anos depois da cirurgia.
Se, no início de tudo, Laio não sabia quase nada sobre a doença — “Só sabia que era uma doença ruim”, diz — hoje, sabe que sua fé é grande e inabalável. Ele revela que nunca sentiu medo e sempre teve a certeza da cura, mesmo necessitando de acompanhamento constante. “Sinto que estou curado desde o dia da cirurgia, mas estamos sempre atentos. A minha fé é grande e sei que não terei mais essa doença. Hoje, sou muito mais grato pela vida e, sempre que posso, conto minha história para mostrar que tudo é possível e que Deus existe”, finaliza.
Uma pausa breve
Artur Barbin Batalhão estava na metade do quinto ano de Medicina, em 2014, quando recebeu o diagnóstico da doença, então, já tinha uma ideia da gravidade e do tipo de tratamento, mas faltava conhecimento mais apurado sobre a evolução, o prognóstico e as chances de cura. Tudo começou com uma tosse persistente, que, inicialmente, julgou inocente. Ainda assim, buscou uma melhor investigação, quando surgiu também um abaulamento no tórax. O médico fez um raio-X da região na própria faculdade e, diante da alteração no exame, foi indicada uma tomografia, que mostrou uma massa no mediastino anterior. A partir da análise inicial das imagens, foi agendada uma biópsia e iniciado o estadiamento da doença com outros exames.
O diagnóstico da biopsia indicou um Linfoma Não-Hodgkin (LNH) Difuso de Grandes Células B em mediastino anterior e, em menos de 15 dias após o resultado, Artur iniciou o tratamento — composto por oito sessões de quimioterapia mais 17 de radioterapia —, no Centro de Tratamento Oncológico (CTO de Ribeirão Preto), com o acompanhamento do médico Fernando Torres. Nesse período, teve que interromper sua rotina. “Por ser estudante de Medicina e estar no internato, na época, tive que tirar uma licença médica diante da imunossupressão causada pelo tratamento quimioterápico”, lembra o médico.
A licença da faculdade foi, aliás, o momento mais difícil que enfrentou. Da primeira quimioterapia, que aconteceu em 29 de agosto de 2014, até a última sessão de radioterapia, realizada em 15 de abril de 2015, passaram-se oito meses e, com essa pausa, Artur ficou um ano afastado dos estudos. Para ajudar a manter o foco e o equilíbrio e enfrentar o afastamento das atividades diárias, a corrida e a musculação foram excelentes terapias. O médico também optou por uma alimentação mais saudável e equilibrada, tomando todos os cuidados recomendados no preparo das refeições. Além das atividades físicas, o apoio da família e dos amigos, que sempre acreditaram na cura da doença e na rápida recuperação, foi essencial.
Artur conta que as palavras câncer e tumor, por si só, assustam e confessa que sentiu medo. “O medo é um sentimento inerente a essa fase. Por mais que hoje os recursos estejam bem avançados, nada garante que teremos uma resposta satisfatória ao tratamento proposto, o que acaba gerando uma angústia diária, com a qual tive que saber conviver”, revela. A favor dele, porém, estava a boa resposta à medicação, com poucos efeitos colaterais. Após a terceira quimioterapia, foram realizados novos exames, que indicaram uma melhora nas imagens, com grande redução da massa. Porém, foi só depois de todas as sessões de quimioterapia e radioterapia que Artur soube, enfim, que estava curado. Terminando o tratamento os exames mostraram a regressão completa da massa tumoral.
Vencer o câncer foi a primeira de duas importantes conquistas na vida dele, já que, após passar pela doença, pôde concluir a faculdade e se formar médico. Depois disso, a vida ganhou um novo significado. “Passei a valorizar muito mais o presente e ver que, antes, ficava reclamando de coisas muito pequenas”, salienta. Hoje, aos 27 anos, há pouco mais de um ano curado, Artur faz acompanhamento com exames de imagem de forma periódica.
A fé também cura
O primeiro pensamento de Jéssica Roque da Silva quando recebeu o diagnóstico de um de Linfoma de Hodgkin, de grau II, em toda a região do tórax foi a de que suas suspeitas estavam confirmadas. “Eu já tinha certeza de que o diagnóstico seria esse, tanto que falei para a médica. Sinto que Deus me preparou para esse momento, então, minha reação logo de início foi agilizar tudo o que precisasse ser feito para me curar. Eu sabia que Deus estava comigo”, afirma Jéssica. As suspeitas dela foram baseadas em sintomas que a deixaram muito preocupada. No começo, sentia uma dor muscular, seguida do aparecimento de nódulos na região entre o ombro e o pescoço, do lado esquerdo. A partir daí, vieram as dores, que desciam dali para o braço. Junto disso, febre, diarreia e perda de peso.
Assim que descobriu a doença, fez os exames necessários e, na semana seguinte da notícia, iniciou o tratamento. Foram oito sessões de quimioterapia, feitas a cada 15 dias, e 17 sessões de radioterapia, realizadas todos os dias, de segunda a sexta-feira. O tratamento durou cinco meses e foi finalizado em fevereiro deste ano. “As médicas da Santa Casa foram excelentes e, graças a Deus, o tratamento foi bem-sucedido. A única cirurgia que fiz foi uma biopsia no local onde saíram os nódulos. Não tive nenhum momento mais grave”, lembra Jéssica.
Ainda assim, a vida de Jéssica passou por algumas mudanças nesse período. De acordo com as orientações médicas, seguia algumas regras de alimentação e evitava lugares aglomerados e proximidade com pessoas doentes, pois estava com a resistência muito baixa. Alguns dias, não conseguia se levantar da cama, por conta do mal-estar. Outros dias, não sentia fome. “Depois das sessões de quimioterapia, eu passava muito mal. Aí, vinha o medo. Eu achava que não conseguiria fazer todas as sessões e terminar o tratamento. É muito dolorido”, conta a assistente administrativa. Apesar disso, procurava levar uma vida normal, sem se privar do que costumava fazer, como foi orientada pela médica.
Jéssica não conhecia a doença, nem tinha presenciado alguém perto passando por isso. O pouco que sabia era o que via na televisão. Foi na própria experiência que conheceu o câncer de perto. Nessa fase, assegura que foi fundamental a presença de Deus na sua vida. “Deus é a base para qualquer tipo de problema que enfrentamos. Isso é muito claro para mim. A minha família e o meu noivo também foram muito importantes nesse momento. Ter a família e a pessoa que eu amo para ajudar a me levantar, para me apoiar e dizer que eu era capaz de vencer foi muito importante, assim como os amigos que estenderam a mão para mim, que mandaram mensagens de carinho e de força. Isso foi, para mim, a base para continuar essa caminhada”, reforça Jéssica.
No dia 21 de fevereiro deste ano, a assistente administrativa soube que estava curada. Ela diz que aprendeu muito nesse tempo e que passar pela doença a tornou mais firme na fé e a ajudou a enxergar a vida de outra maneira. Hoje, Jéssica pode falar que é uma nova mulher, uma nova pessoa. “Carrego comigo o sentimento de que consegui, que venci. Apesar das dores e do sofrimento, a vitória chegou e esse sentimento é muito bom”, destaca. Ela faz acompanhamento e exames, a cada três meses, mas, agora, está liberada para ter uma vida normal e voltar à rotina de antes.
Difícil, porém superado
Apesar de, na época, cursar faculdade de Medicina e do câncer de mama ser maciçamente discutido pela mídia, quando Joyce Merlo recebeu o diagnóstico do Carcinoma Ductal Invasivo, grau III, parecia que não tinha conhecimento algum. De acordo com ela, aconteceu um bloqueio e o único pensamento era o de que iria morrer. Joyce descobriu o nódulo através do autoexame que fazia rotineiramente. Em seguida, fez os exames clínicos que evidenciaram a doença. A biópsia foi feita em uma quarta-feira e o resultado veio na terça-feira seguinte. Ela estava de plantão pela faculdade, quando o mastologista ligou contando o resultado. “É a notícia que ninguém quer receber, aquele diagnóstico que ninguém espera ter aos 25 anos. Mesmo cursando o penúltimo ano de Medicina, parecia que meu conhecimento era nulo em relação ao assunto e eu pensava que iria morrer. É um turbilhão de medos e de incertezas”, lembra a médica.
Joyce conta que se sentiu sem chão. Sentou, chorou, pediu dispensa e foi para casa. Ligou para os pais pedindo que fossem a Marília, onde ela estudava, dizendo que o médico tinha marcado uma consulta. Telefonou para o irmão, que também foi ao seu encontro. Enfim, ligou para o noivo, então namorado de poucos meses, que disse que não soltaria da sua mão e que estavam juntos nessa luta. Ela contou para os pais naquela noite que, para ela, foi a mais difícil da vida.
No dia seguinte, foi ao médico esclarecer algumas dúvidas: se teria que parar a faculdade, se o cabelo cairia e se teria que parar de tomar cerveja. Ele respondeu que, a princípio, não seria preciso interromper os estudos, mas que veriam como ela reagiria ao tratamento. Quanto ao cabelo e à cerveja, as respostas foram afirmativas. Joyce disse ao médico que essa era uma doença muito chata e pediu um tempo para pensar. Três dias depois, voltou pronta para enfrentar a situação e, no mesmo dia, recebeu a primeira sessão de quimioterapia.
Por estar dentro de um Hospital das Clínicas, optou por fazer todo o tratamento em Marília. Foram oito sessões de quimioterapia e 32 de radioterapia, além da cirurgia. Mesmo o tumor acometendo apenas a mama esquerda, ela decidiu pela mastectomia bilateral. “O tratamento é bastante doloroso. Sentia náuseas intensas e ficava dias sem me alimentar devido a isso. Depois, vinham as dores articulares e musculares, que remédio algum era capaz de curar, mas, em todas as sessões eu pensava que seria menos uma e que passaria. Pensava que aquilo tinha data de validade e que logo iria acabar”, conta.
O apoio da família, do noivo e dos amigos, além do tratamento multiprofissional que recebeu no HC, foram fundamentais para enfrentar a doença e tornar tudo menos doloroso. A mãe se mudou para Marília para acompanhar o tratamento e ajudar no dia a dia. Ela levava as refeições durante os plantões da filha, dava banho quando se sentia mais fraca, a distraía quando acordava mais triste e deu todo o amor que Joyce precisava naquele momento. Elas tiveram que mudar de apartamento, porque Joyce não tinha forças para subir escadas. A vida social ficou de acordo com as limitações, pois se sentia muito cansada e não podia frequentar lugares fechados ou com muitas pessoas. A maioria dos professores deu apoio para que o curso não atrasasse.
O medo, porém, a acompanhava todos os dias. “Meu maior medo foi quando a direção da faculdade quis me afastar da graduação. Minha imunidade era baixa devido ao tratamento e todos tinham receio de que eu adoecesse diante de tantos pacientes que lidava diariamente”, relata a médica. Apesar disso, Joyce prometeu a si mesma que usaria todas as forças para sua vida se alterar o mínimo possível. Ela reconhece que existiram dificuldades e limitações, que tiveram dias muito difíceis, mas que conseguiu realizar o sonho de terminar a graduação e se formar médica. Hoje, se sente uma pessoa vitoriosa e abençoada por Deus. Foi uma fase de tristezas, decepções e dores, mas, sem dúvida, de muito aprendizado. Ela aprendeu a dar valor no que realmente importa, a ser melhor como pessoa e a descartar o que faz mal. “Aprendi o outro lado, a ser ‘paciente’, e compreender as dúvidas e os medos de quem está do outro lado. Aprendi a ser uma médica melhor e mais humana”, completa.
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