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domingo, dezembro 01, 2013

Além do Feijão com arroz.


“A confiança na minha efetivação aumentou sobretudo após uma entrevista que dei entre o Natal e o ano-novo ao jornalista Paulo Henrique Amorim, no Jornal da Globo, em que discorri sobre todas as principais questões econômicas do país. Sarney ligou logo depois da veiculação, elogiando o que falei.
"Além do Feijão com Arroz": a autobiografia de Maílson da Nóbrega
REVISTA À TROPA
No dia 28 de dezembro, Sarney telefonou pedindo que eu fosse à casa de praia da família na Ilha do Curupu, em São Luís, onde passava breves férias. Quando cheguei ao aeroporto da capital maranhense, num avião da FAB, ali pelas 11 da manhã, senti que o clima era muito favorável à minha efetivação. Diversos jornalistas de Brasília me aguardavam, inclusive da TV Globo.
O próprio governador Epitácio Cafeteira estava lá. Me recebeu aos pés da escada do avião, com a guarda de honra da Polícia Militar para eu passar em revista, uma cerimônia reservada a ministros efetivos. “Eu ainda não sou ministro, governador!”, alertei. “Mas será!” Tive vergonha de dizer a ele que eu não sabia como me portar. Todo sem jeito, seguia o oficial de esquerda eriçada. Caminhava sem saber se deveria ir rápido ou devagar, virar à esquerda ou à direita, retornar ou seguir em frente… Quando o oficial parou e deu meia-volta, espiei os lados, torcendo para que qualquer em me cochichasse indicações.
Tentava recordar o dia em que fiz parte de uma guarda de honra, numa visita de algum ministro a João Pessoa. Tudo o que lembrava era que, como soldado, deveria seguir com a cabeça o caminhar da autoridade.
Meu aperreio não durou tanto assim, uns 15 minutos de eternidade. Logo estava indo para o alto no helicóptero da FAB que me esperava no aeroporto para me levar à Ilha do Cururpu.
NA ILHA DO CURUPU
Até então, meus encontros com o presidente haviam sido protocolares. Aquela foi a primeira ocasião em que conversamos longamente, por umas três horas, inclusive amenidades. À vontade na varanda, deguayabera, ele principalmente ouvia. Eu, de terno azul-marinho, que alternava com o cinza, discorria sobre a conjuntura econômica. Especialmente, abordei a dívida externa e a necessidade de normalizar nossas relações com a comunidade internacional. Exibindo levantamentos do Banco Central que evidenciaram o quanto a moratória custara ao Brasil, defendi que o Brasil aproveitasse o degelo que Bresser iniciara e deixasse para trás todo esse imbróglio. Sarney ouvia atentamente, sem interromper. Quando falou, me estimulou a entabular as negociações.
Finalmente, Sarney externou seu desejo de me efetivar como ministro. Apenas precisaria de uma dias antes de me anuncias a decisão. Havia “arestas a aparar”. Ao ser questionado sobre elas, tentou desconversar. “Tenho algumas dificuldades… É necessário conversar com líderes políticos e algumas outras pessoas…” E então revelou: “Quero antes conversar com o doutor Roberto Marinho.” Era importante que o presidente do maior grupo de mídia apoiasse o novo líder da pasta.
Voltei a Brasília naquela mesma tarde. Ansioso por saber o enfoque que seria dado à notícia, liguei a televisão assim que cheguei em casa. Apareci em todos os telejornais, exceto nos da TV Globo. Externei meu estranhamento a algumas pessoas. “Pode ser que o Roberto Marinho esteja trabalhando por outro nome”. Isso seria confirmado a mim 24 anos depois, pelo próprio Sarney. A preferência era por Camillo Calazans, presidente do Banco do Brasil, que tinha boas relações com o dono da Rede Globo.
Será que Roberto Marinho era influente a ponto de indicar o ministro da Fazenda ou desaprovar um nome escolhido pelo presidente? Maílson constataria que sim
SABATINADO POR DOUTOR ROBERTO
Apenas no dia 5 de janeiro recebi novas notícias. Naquela manhã, por telefone, Sarney perguntou se haveria problema em conversar com Roberto Marinho. “De maneira alguma. Sou admirador dele e gostaria desta oportunidade.” A reunião seria naquela mesma tarde, no escritório da Globo, que ficava no Setor Comercial Sul.
Não sabia o que pensar. Será que doutor Roberto era influente a ponto de indicar o ministro da Fazenda ou desaprovar um nome? Desde então, passei a enxergar muitas semelhanças entre o empresário e William Hearst. Foi esse magnata da televisão americana que inspirou Cidadão Kane, filme de Orson Welles de 1941. A impressão seria reforçada em momentos bem menos agradáveis.
Durante nossa conversa cordial, discorri sobre os temas de que já tratara com Sarney e muitos outros: falei da necessidade de serem retomadas as negociações da dívida externa, de ser realizada uma reforma do Estado e de agir sobre a inflação. Ele parecia concordar. Depois da explanação, me questionou sobre tudo. Parecia me sabatinar. Depois de quase duas horas, revelou: “Gostei muito.”
Saindo da sala, dei lugar a Antônio Carlos Magalhães, ministro das Comunicações e amigo tanto de Marinho quanto de Sarney. Pediu para que eu o esperasse. Gostaria de me acompanhar até o elevador. Na sala de espera, surgiu ainda mais uma dúvida: Será que ele fora enviado pelo presidente para facilitar a aprovação do empresário ao meu nome? Depois de alguns minutos, ACM deixou doutor Roberto, confirmando que o empresário ficara com uma impressão muito boa sobre mim. Muito bem.
“DEU PLANTÃO NA GLOBO”
De volta ao ministério, ali pelas seis da tarde, apenas uns dez minutos depois de sair do escritório da Globo, fui surpreendido pela secretária. “Parabéns!” Não entendi. Ao questioná-la, contraiu as sobrancelhas, me olhando com ar inquisitivo. Estava em dúvida se eu estava sendo discreto demais ou realmente não sabia. Hesitante, confessou: “Porque o senhor é o novo ministro da Fazenda.” Ao meu cenho franzido, esclareceu: “Deu no Plantão do Jornal Nacional”.
CONVITE OFICIAL
Logo tocou o telefone. O presidente me convocava ao Palácio do Planalto. Quando cheguei, ele estava com o ato de nomeação em mãos, pronto. À cabeceira da mesa de seu gabinete, no terceiro andar do Palácio do Planalto, apenas assinou  e entregou a Ronaldo Costa Couto, ministro chefe da Casa Civil, sentado à minha frente. Lembrou minha origem humilde no interior do Nordeste, como a dele. Como eu, Sarney também não sonhara assumir o posto que ocupava. De costas para a janela com vista para o Eixo Monumental, me emocionei. Ronaldo lembra que, com “humildade ativa”, como diz, e quase às lágrimas, agradeci ao presidente pela confiança e a Deus pela sorte, presente desde Cruz do Espírito Santo.
Assumiria na manhã seguinte.
BONS SONHOS
Naquela noite, como de costume, não houve qualquer comemoração. Não liguei a nenhum amigo contando a novidade – mesmo porque deviam ter visto nos telejornais. Não abri um vinho, não fui parabenizado por ninguém. Nem [sua então esposa] Rosinha. Ela ficou orgulhosa e contente, embora imaginasse que eu sacrificaria ainda mais o convívio com a família. Finalmente assisti à reportagem da Globo, que incluiu imagens de minha visita ao Maranhão, e fui deitar.
Dormi entre tenso e alegre. Pode parecer piegas, mas, para mim, era um conto de fadas, dadas minhas origens e minha trajetória. Era o coroamento de uma carreira. Havia diversas razões para eu me orgulhar. Os ministros, até então, tinham sido, na maioria dos casos, grandes empresários, grandes financistas, grandes professores. Eu era um burocrata, formado economista em uma instituição com modestas credenciais, com apenas 45 anos. Me sentia o próprio exemplo da mobilidade social brasileira. E imaginava que tinha muita contribuição a dar ao país.

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