No dia 10 de dezembro do ano passado, o Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento conjunto de três Habeas Corpus (nºs. 123734, 123533 e 123108) que tratavam da aplicação do Princípio da Insignificância em casos de furto.
Os processos foram remetidos ao Plenário por deliberação da Primeira Turma, visando uniformizar a jurisprudência do Tribunal sobre a matéria.
Naquela sessão proferiu voto o relator, Ministro Luís Roberto Barroso. Ele argumentou que a ausência de critérios claros quanto ao referido principio gerava o risco de casuísmos e agravava as condições gerais do sistema prisional. O Ministro lembrou que a então jurisprudência do Supremo para a aplicação do princípio levava em consideração os seguintes critérios:
1) O reconhecimento de mínima ofensividade;
2) A inexistência de periculosidade social;
3) O reduzidíssimo grau de reprovabilidade e a inexpressividade da
lesão jurídica provocada.
Ele observou também que a jurisprudência do Supremo afastava a incidência do princípio da insignificância nos casos de reincidência e de furto qualificado. Em seu entendimento, tais critérios podem promover aumento no encarceramento de condenados por crimes de menor potencial ofensivo, defendendo que nem a reincidência, nem a modalidade qualificada do furto deveriam impedir a aplicação do princípio da insignificância. Segundo ele, o afastamento deveriam ser objeto de motivação específica, como o número de reincidências ou a especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras. Observou ainda que, para a caracterização da reincidência múltipla, além do trânsito em julgado, as condenações anteriores devem tratar de crimes da mesma espécie.
Propôs, então, que, mesmo quando a insignificância fosse afastada, o encarceramento deveria ser fixado em regime inicial aberto domiciliar, substituindo-se, como regra, a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mesmo em caso de réu reincidente, admitida a regressão em caso de inobservância das condições impostas. Para o ministro, a utilização da pena de reclusão como regra representa sanção desproporcional, excessiva e geradora de malefícios superiores aos benefícios. Desse modo, o Ministro votou pela concessão da ordem para reconhecer a atipicidade material da conduta, aplicando o princípio da insignificância.
O Habeas Corpus nº. 123108, que serviu de parâmetro para o julgamento, se referia a condenado a um ano de reclusão, com regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 dias-multa pelo furto de uma sandália de borracha no valor de R$ 16. Apesar do valor ínfimo e da devolução do objeto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento à apelação porque o réu havia sido condenado em outra ocasião.
No Habeas Corpus nº. 123734, o réu foi condenado à pena de um ano de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de cinco dias-multa, pela tentativa de furto de 15 bombons artesanais no valor de R$ 30. O princípio não foi aplicado porque se tratava de furto qualificado, com escalada e rompimento de obstáculos. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública. Mantida a decisão em segundo grau, a Defensoria Pública da União recorreu.
Já no Habeas Corpus nº. 123533, a ré foi condenada a dois anos de reclusão – sem substituição por restritiva de direitos – pelo furto de dois sabonetes líquidos íntimos, no valor de R$ 48. O princípio da insignificância não foi aplicado porque o furto foi qualificado e houve concurso de agentes.
O julgamento foi adiado em razão de um pedido de vista do Ministro Teori Zavascki e deveria ter sido retomado no dia 17 de dezembro de 2014. Nada obstante tratar-se de um processo de Habeas Corpus, apenas agora, dia 03 de agosto de 2015, foi apresentado o voto-vista do Ministro (pasmem!).
Distorções à parte, com a apresentação do voto-vista do Ministro Teori Zavascki, o Plenário entendeu, por maioria, que a aplicação ou não desse princípio deve ser analisada caso a caso pelo Juiz de primeira instância e que a Corte não deve fixar tese sobre o tema.
Em seu voto, o Ministro Teori Zavascki observou que os casos concretos analisados no julgamento têm algum tipo de circunstância agravante, como a qualificação do crime por rompimento de barreira ou reincidência. Segundo ele, embora se possa afirmar que a vítima pode recorrer à Justiça para buscar a reparação civil, exatamente pelo baixo valor dos objetos furtados e das condições dos autores, essa possibilidade seria meramente formal.
Salientou que, adotar o Princípio da Insignificância indiscriminadamente em casos de pequenos furtos, com qualificadora ou reincidência, seria tornar a conduta penalmente lícita e também imune a qualquer espécie de repressão estatal: “É preciso que o Tribunal tenha presente as consequências jurídicas e sociais que decorrem de um juízo de atipicidade em casos como estes. Negar a tipicidade destas condutas seria afirmar que, do ponto de vista penal, seriam lícitas.”
No entendimento do Ministro, é inegável que a conduta – cometimento de pequenos furtos – não é socialmente aceita e que, ante a inação do Estado, a sociedade pode começar a se proteger e buscar fazer "justiça com as próprias mãos". Argumentou, ainda, que a pretexto de proteger o agente, a imunização da conduta acabará deixando-o exposto a situação de justiça privada, com consequências imprevisíveis e provavelmente mais graves: “O Judiciário não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da insignificância, seja o princípio constitucional da individualização da pena”.
Ao final do julgamento, foi concedidos de ofício os Habeas Corpus nºs. 123108 e 123533, neste, para converter o regime prisional em aberto (mantida a condenação, portanto). No Habeas Corpus nº. 123734, não foi concedida a ordem de ofício porque a pena de reclusão já havia sido substituída por prestação de serviços à comunidade (também o paciente manteve-se como condenado).
O relator, Ministro Roberto Barroso, reajustou o voto proferido anteriormente para acompanhar o Ministro Teori Zavascki. Ficaram parcialmente vencidos os Ministros Edson Fachin, a Ministra Rosa Weber e o Ministro Celso de Mello.
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