MUNDO CÃO
Por:
ALEXANDRE MAIA LAGO
Advogado e Membro da AML e ALL
Publicado no Jornal O Imparcial de 01/11/2024
– Tá vendo aquele menininho ali?,
disse a senhora, e da janela do carro, apontou uma criança sob o semáforo, mão estendida à espera de moeda. – Se você não almoçar bem, escovar os dentes, tomar banho e cortar as unhas, vai ficar igual a ele. Olhando aparvalhado pro menininho, não se sabe o que Lulu pensou a respeito do sermão. Se falasse, bem poderia dizer não haver motivos para tanto, pois nem se comportava mal. Era até ligeiramente tímido e latia pouco…
A cena pode afigurar-se fictícia, mas é absolutamente possível. Não resta dúvida de que cachorros deixaram de ser um mero auxiliar do caçador, vigia atento ou distração eventual da casa. Foi-se o tempo em que arroder charutos ou perseguir calcanhar de estranhos eram empreitadas resolvidas com um “passa cachorro”, seguido, se fosse o caso, de um discreto pontapé. Hoje em dia, isso dá processo. Quando se houve a expressão “avanço dos cães”, é claro que não está sendo falado daquela ação que fazia os indivíduos arredarem, mas, sim, das condições elevadas de existência que eles têm recebido.
Pelo que se vê, muitos deles se encontram mais bem cuidados que uma multidão delas, com salão de beleza, spa, brinquedoteca, hotel, plano de saúde, psicólogo, nutricionista, academia de ginástica, enfim, tudo a ponto de garantir o bem-estar. E não fica nisso.
Casamentos e exéquias solenes também não são mais exclusividades de gente. Por essas e outras, me surpreendi ao saber da campanha “Nenhum cachorro sem lar”, cujos organizadores alegavam ser inaceitável um cão perambulando por aí, sem o aconchego e segurança de uma família. Talvez tenham razão. Criança de rua, ainda vá lá, mas cachorro, é ultrajante.
Quando pela primeira vez eu ouvi falar que a guarda compartilhada de cães estava sendo debatida em alguns tribunais, imaginei que estavam se referindo a alguma peça perdida de Moliere que eu desconhecia. Não era. Tratava-se, disseram-me, de uma conquista civilizatória do Direito, e sob o prisma da melhor hermenêutica. Em todo caso, o enredo pareceu-me bom para um espetáculo. O cenário já é cerimonioso, e os atores, apesar de mamíferos, são bem pagos.
Tamanho prestígio alcançaram esses animais que outro dia, num programa vespertino de TV, os apresentadores do quadro “A Evolução das Espécies”, dissertavam sobre evidências de o cachorro estar se tornando tão inteligente quanto o homem. Mas de cachorro eles, com certeza. E, quem sabe, do que eu também, que parei para assistir.
Frequentemente, vemos celebridades, novos-ricos e, por mimetismo, assalariados na corda-bamba, arrolando um cão aos centímetros cúbicos com bolo, pipoca, presentes, palhaço… O cão do aniversário com laço no pescoço e uma catira de quem não estava muito à vontade. Alguns bonitos, outros amedrontados, outros, enfim, bem-comportados, repetindo-se o que vi no parlamentar.
Se alguém já viu
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