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sexta-feira, dezembro 13, 2024

Em defesa da sinecura.

Em defesa da sinecura.


Por ALEXANDRE MAIA LAGO

Membro AML e ALL


Dentre os muitos inimigos da imaginação criativa, matéria-prima do homem de letras, destacam-se os famigerados boletos com data vencida e aquela despesa inesperada, capazes de ameaçar no nascedouro um parágrafo desconcertante, um capítulo epifânico ou mesmo um soneto que estaria destinado ao deleite das gerações.

É chegada a hora de uma política de Estado para garantir aos escritores remuneração pública elevada e vitalícia, com direito a cotas de passagens aéreas para participação em eventos literários pelo país. E mal nenhum faria a inclusão de umas diárias nesse pacote.

Pela seriedade e relevância que esse projeto de lei comporta, merece votação em regime de urgência. E caso ninguém saiba no Poder Legislativo do que se trata quando se fala em sinecura, uma explicação pode ser feita a fim de familiarizá-los com o tema.

O impacto financeiro dessa política ainda é incerto, embora cálculos informais indiquem ser menos onerosa do que o custo com um único parlamentar. E, dizem por aí, mais útil que todos eles juntos. Isso ainda aguarda comprovação.

Aprovada a lei, tiraríamos da Sinecura, de uma vez por todas, as vestes do constrangimento, agasalhando-a com o honroso manto de função produtiva. E para evitar indevidas inscrições de candidatos à prebenda estatal, determinados requisitos teriam que ser checados por um conselho de notáveis, a fim de avaliar o nível de leitura, escrita, compreensão de texto e outros itens que permitissem crer na sinceridade de propósito do postulante.

A simpática e paternalista proposta pode até soar uma novidade exótica, mas, na verdade, não tem nada de original. Remonta à Roma Antiga, durante o império de Adriano, quando este determinou a criação de uma instituição para auxílio financeiro dos escritores, há muito descritos por Juvenal como vivendo em estado de absoluta penúria, sempre a mendigarem pagamentos decentes pelas suas criações artísticas. Nascia ali, então, a ideia que proponho seja reabilitada, com acréscimos.

Um pragmatismo argentário cada vez mais intenso permeou o espírito dos séculos, sabotando esse tipo de política oficial para os indivíduos de inclinação literária, hostilizados sob o estigma da inutilidade. Então, o escritor de gênio continuou a depender unicamente de aleatórios ventos soprando em seu favor na forma de um mecenas, um padrinho bem colocado ou um monarca esclarecido. Enfim, da sorte grande. A mesma que permitiu o legado de Virgílio, Horácio, Ovídio e também a Renascença inteira. Sem esse mecenato episódico, os vinte anos de trabalho de Camões em condições paupérrimas teriam sido em vão, pois a publicação de “Os Lusíadas” foi possível pela mercê de um misterioso patrono.

É um paradoxo que o mundo dos homens práticos, que põe em segundo plano os homens de cultura, necessite dos corolários desses dons para suportar a própria existência.

No mundo contemporâneo, as nações desenvolvidas resgataram a valorização da cultura e entenderam ser ela o mais sólido capital. As subdesenvolvidas não a incorporaram como um bem da vida. Confundem-na com festinhas e festanças.

Em determinados lugares e épocas, o essencial da ideia sobreviveu, mas tendo de se esgueirar no anonimato de uma repartição obscura. Mas, às vezes, sob vistosos endereços de Consulados e Embaixadas, o equivalente da época à famosa Assessoria Especial de nossos dias, só que charmosa e com resultados. Neruda, Carpentier, Eça de Queirós, Jorge Edwards, Vinícius de Morais, Carlos Fuentes, Gilberto Amado e muitos outros produziram e engrandeceram bastante a literatura em seus relevantes serviços diplomáticos.

Hoje, numa espécie de cerco ao intelectual, infelizmente, essa via está em desuso, enquanto cérebros criativos estão se perdendo por falta de uma providencial sinecura para tão excelsa finalidade.

Enquanto não surge um iluminado à maneira de Adriano, ficamos a testemunhar misérias similares às dos tempos idos e distantes de Juvenal, conjecturando quantos Cervantes podem ter ficado pelo caminho por falta de paz financeira que uma boa e merecida sinecura resolveria.


* A palavra sinecura vem do latim sine cura, que significa "sem cuidado" ou "sem preocupação". Originalmente, ela era usada no contexto religioso para descrever cargos eclesiásticos que não exigiam a realização de funções pastorais, mas que ainda garantiam uma remuneração ou benefício.


Hoje, no uso geral, sinecura refere-se a:

1. Um cargo ou função que oferece remuneração, mas exige pouco ou nenhum trabalho real.

2. Uma posição confortável, privilegiada, e muitas vezes associada a benefícios desproporcionais ao esforço necessário.

Por exemplo, quando alguém ocupa uma posição administrativa que não exige presença frequente ou esforços significativos, mas ainda assim recebe um bom salário, essa posição pode ser chamada de sinecura. No debate político ou social, o termo é frequentemente usado de forma crítica, sugerindo desperdício de recursos ou nepotismo.

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